– Olha, aquele cão ainda anda por aí. Estou aqui há mais de duas semanas.
– Sim, ele está a agir um pouco estranho. Dizem que é como se estivesse a guardar alguma coisa.
– Que disparate? Que “algo”?
— Não ouviu? Houve aqui um acidente há pouco tempo.
A conversa dos condutores foi subitamente interrompida por um guincho agudo de travões. O cão magro e exausto correu de volta para a estrada, obrigando os carros a travar bruscamente e a desviar-se. Alguém buzinou furiosamente, mas o cão permaneceu indiferente ao barulho e à agitação – regressou ao seu lugar à beira da estrada.
Ivan observou esta cena durante vários dias seguidos, passando por lá a caminho do trabalho. A imagem repetia-se de cada vez: o cão permanecia imóvel e, de repente, corria para a estrada, como se tentasse alertar ou parar alguém.
Hoje, o seu coração tremeu de repente. Talvez fosse por causa da forma como os seus olhos estavam cheios de fé e desespero ao mesmo tempo, talvez por causa do seu corpo emagrecido, onde os contornos da sua antiga força e beleza ainda podiam ser discernidos.
Rodou o volante bruscamente e parou na berma. Pelo espelho retrovisor, reparou nos camionistas a trocarem olhares, como se sentissem que algo importante estava prestes a acontecer.
“Então, amigo”, Ivan saiu lentamente do carro e caminhou em direção ao animal, “vamos encontrar-nos?” »
O cão levantou a cabeça, mas não se moveu para a frente nem para trás. Os seus olhos castanhos estavam tão cheios de dor e esperança que o próprio Ivan sentiu um aperto no coração.
“Ei, pá”, gritou um dos camionistas, “cuidado lá fora. Ele não deixa ninguém aproximar-se dele.
— Já faz duas semanas aqui? — perguntou Ivan, virando-se para eles. — O que aconteceu exatamente?
“Houve um acidente”, suspirou o condutor. — O homem está morto. E é o cão dele, dizem.
Ivan sentou-se ao lado dela e aproximou-se lentamente.
– Estou à espera do dono, não é?
O cão mal uivou, como se entendesse cada palavra.
– E quem é que tentou tirar-me isso?
“Nós tentámos”, acrescentou o segundo condutor. – Mas ele volta a correr para aqui.
“O meu nome é Sergey”, apresentou-se o primeiro. – Eu sou daqui. Eu conheço bem essa história.
Ivan levantou-se, sacudiu o pó dos joelhos e olhou para o cão, que voltou a baixar a cabeça, mas não se foi embora.
“Por favor, diga-me”, pediu Ivan.
Sergei encostou-se à cabine do seu camião:
— Tínhamos uma mulher que vivia aqui, a Lidia Petrovna. Teve um filho, Mikhail. Um tipo porreiro e bom. E este cão é dele, o Bim.
“Bam…” repetiu Ivan, olhando para o cão. Ela mexeu ligeiramente a orelha quando ouviu o seu nome.
– Exatamente. Misha encontrou-o quando ainda era um cachorro, acolheu-o e criou-o. Levava-o para todos os lugares comigo. E depois… – Sergei hesitou, pegou num cigarro e acendeu-o. – Ele estava a regressar do trabalho naquele dia. Estava a chover muito. O carro entrou em despiste na curva… Bateram de frente.
Ivan olhou para o cão em silêncio. Permaneceu imóvel, com o focinho enterrado nas patas, mas não tirou os olhos do local exato onde tudo tinha acontecido.
– E o Bim? Ele também estava no carro?
– Sim. Sobreviveu milagrosamente. Lídia Petrovna levou-o para casa, mas ele não ficou. Escapou. E aqui para sempre. Esperando por.
– Ela não tentou recuperá-lo?
Sergei sorriu amargamente:
—Após a morte do filho, parecia ter-se isolado do mundo inteiro. E nem consegue olhar para o Bim, faz lembrar muito o Misha.
Ivan foi até ao carro e voltou com uma garrafa de água e um saco de comida.
– Talvez queira comer?
O cão nem se mexeu.
“Não vai funcionar”, Sergei abanou a cabeça. “Também lhe deixei um pouco de comida, mas ele não come a não ser que haja alguém por perto. » Só come à noite ou quando está completamente sozinho.
Ivan cerrou os punhos:
– Então agora ele vai morrer aqui?!
– O que vais fazer? — o motorista levantou as mãos. — Tentaram raptá-lo. Alguém queria levá-lo para o abrigo, mas Bim saltou a vedação e voltou a correr. Percorri cerca de vinte quilómetros no total.
Ivan olhou para o cão e tudo o que estava dentro dele ficou abalado. Lembrou-se de como o pai o tinha chamado antes de morrer, mas continuou a adiar: “Mais tarde, pai, mais tarde…” E então já era tarde demais.
— Onde mora a Lídia Petrovna?
Sergei semicerrou os olhos:
– Por que precisa disso?
— Quero falar com ele.
– No extremo da aldeia, existe uma casa com uma cerca verde. Tenha apenas em mente que ninguém vai ver. Ela não aceita ninguém.
“Veremos”, murmurou Ivan enquanto entrava no carro.
A casa com a vedação verde foi encontrada rapidamente. A tinta já estava a descascar há muito tempo e o pátio estava uma desolação.
O Ivan carregou na campainha. A resposta foi o silêncio. Ele pressionou novamente.
– Quem está aí?
– Lidiya Petrovna, boa tarde. Posso falar consigo?
– Vá-se embora.
– Este é o Bim.
Quebrar.
– Por favor…
A porta abriu-se lentamente. Uma mulher frágil, de olhos baços, paralisada pela dor, estava parada à porta.
– Sobre o que falar?
– Sobre o Bim.
Ela fez uma careta.
– Não consigo ver. Ele faz-me lembrar o Misha.
A sua voz estava trémula e ela cobriu o rosto com as palmas das mãos trémulas.
Ivan não tinha pressa em falar. Houve um longo silêncio antes de ele dizer:
— Perdi o meu pai há um ano. E continuei a adiar o encontro, a pensar: depois… E aí já era tarde demais. Ainda pode corrigir esse problema. Bim amava o seu filho. Mas ele também te ama. Não é isso o mais importante?
A mulher abanou a cabeça:
– Ele não me vai perdoar.
– Vamos verificar?
Ivan estendeu a mão.
Ela olhou para ele durante muito tempo e depois colocou cuidadosamente a palma da mão na dele.
Bim continuava deitado na berma da estrada, como se estivesse à espera.
“Bim…” murmurou Lydia Petrovna.
O cão levantou a cabeça de repente. Ela gelou, como se ouvisse uma voz do passado. E um momento depois…
Ivan recordará este momento pelo resto da vida. Como um cão exausto, correu em direção à dona, ganindo e quase voando pelo ar. Como ele se pressionou contra os seus braços, todo o seu corpo a tremer.
E a mulher caiu de joelhos à beira da estrada e, acariciando-o, repetiu entre lágrimas:
– Perdoa-me, querido. Desculpe…
Um mês passou.
Ivan parou novamente o carro perto de uma casa conhecida. A cerca estava agora brilhante e recém-pintada, e os ásteres e os malmequeres estavam a florescer no quintal.
Bim correu ao seu encontro, já não tão magro, mas ainda tão fiel. Lídia Petrovna seguiu-o. Havia luz nos seus olhos novamente.
– Entra, Vânia! Haverá chá, a tarte está assada.
À mesa, conta como Bim a ajuda nas tarefas domésticas, como vão juntos à campa de Mikhail, como as crianças das ruas vizinhas gostam de brincar com ele.
Ivan olhou para eles e pensou: às vezes é preciso parar, olhar alguém nos olhos e estender a mão. E até o coração mais ferido encontrará o caminho de volta à vida e ao amor.
Bim deitou a cabeça nos joelhos e suspirou suavemente. Como quem diz: obrigado pela visita.